quinta-feira, 6 de junho de 2013

Ácidos Graxos

Nos últimos anos, o termo gordura trans ganhou uma posição de destaque no dia a dia em função da divulgação de possíveis malefícios à saúde decorrentes de seu consumo. Geralmente, as informações veiculadas pela mídia apenas apontam seus malefícios, sem uma explicação mais detalhada do significado desse termo. Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é abordar o tema gordura trans, de forma a fornecer subsídios para a promoção de um ensino contextualizado e interdisciplinar.

Óleos e gorduras
Os principais macronutrientes presentes nos alimentos são glicídios, proteínas e lipídios. Além da função energética, os lipídios conferem sabor e aroma ao alimento, também sendo fontes de substâncias essenciais ao organismo. Os principais tipos de lipídios são os óleos e as gorduras, sendo que sua diferença está no estado físico sob temperatura ambiente, pois óleos são líquidos e as gorduras são sólidas. Apesar dessa diferença, óleos e gorduras apresentam como componentes majoritários os triacilgliceróis. Na Figura 1, é apresentada, de forma genérica, a reação química de formação de um triacilglicerol: um éster formado a partir do glicerol (álcool) e três moléculas de ácidos graxos (ácidos carboxílicos de ocorrência natural) em um processo catalisado por enzimas (lipases) ou meio ácido.




Ácidos graxos trans
Apesar de não ser a forma predominante na natureza,ácidos graxos trans2 são encontrados em algumas bactérias, dos gêneros Vibrio e Pseudomonas, e em alguns vegetais como romã, ervilha e repolho. Esses ácidos são formados a partir da reação de isomerização dos respectivos isômeros cis, em uma adaptação a mudanças no meio, como variações de temperatura e presença de substâncias tóxicas (Ferreri e cols., 2007; Doyle, 1997).
Na alimentação humana, as principais fontes de ácidos graxos trans são: a transformação por microorganismos em alimentos originados de animais ruminantes, a etapa desodorização no processamento industrial de óleos vegetais, o processo de fritura de alimentos e o processo de hidrogenação parcial de óleos vegetais.
Alimentos obtidos de animais ruminantes (subordem dos mamíferos que inclui os bovinos), como carnes, leites e derivados, são fontes naturais de ácidos graxos trans. Esses ácidos são formados no processo de bio-hidrogenação, no qual ácidos graxos cis ingeridos são parcialmente hidrogenados por sistemas enzimáticos da flora microbiana presente no rúmen desses animais (Semma, 2002; Chatgilialoglu e Ferreri, 2005).
Ácidos graxos trans também são formados a partir da isomerização de ácidos graxos cispresentes em óleos vegetais em dois processos induzidos termicamente: a desodorização industrial, que visa à remoção de componentes voláteis de sabor e odor indesejáveis; e a reutilização prolongada de óleos na fritura de alimentos (Wolff, 1994; Martin e cols., 2005).

Efeitos dos ácidos trans no organismo
Os ácidos graxos trans sempre fizeram parte da alimentação humana mediante o consumo de carnes, leite e seus derivados. No entanto, com a produção de substitutos para a manteiga e as gorduras animais por meio da hidrogenação parcial de óleos vegetais, houve uma significativa elevação da presença dos ácidos graxos trans na dieta (Martin e cols., 2004).
Um composto influenciado pelos ácidos graxos trans é o colesterol, um esteróide de ocorrência natural nos animais e que participa da biossíntese de substâncias com funções importantes no organismo. A quantidade de colesterol no organismo é função do que é produzido pelo próprio organismo e da parcela obtida pela alimentação. No organismo, o colesterol se encontra associado com lipídios e proteínas nas lipoproteínas, sendo as principais a lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) e lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol). A lipoproteína de alta densidade, também conhecida por “colesterol bom”, tem a função de transportar os lipídios dos tecidos para o fígado, onde são degradados e excretados. Por sua vez, a lipoproteína de baixa densidade, conhecida por “colesterol ruim”, transporta os lipídios biossintetizados do fígado para o resto do organismo (Solomons e Fryhle, 2006).
Nas últimas décadas, os efeitos do consumo de ácidos graxos trans sobre a saúde começaram a ser investigados. Em um dos trabalhos pioneiros, Mensink e Katan (1990) desenvolveram um estudo com três grupos de pessoas submetidos à mesma dieta, variando apenas o tipo de ácido graxo. Ao se comparar as taxas de HDL-colesterol, constatou-se que as pessoas submetidas às dietas com ácido cis e com ácido saturado apresentaram a mesma concentração dessa lipoproteína, que era superior à concentração nos indivíduos cuja dieta continha ácidos trans. Já para a LDL-colesterol, as concentrações foram maiores nas pessoas submetidas à dieta com ácidos trans e com ácidos saturados do que os que se alimentaram com ácidos cis. Esses resultados levaram à conclusão de que o consumo de ácidos graxos saturados aumenta o nível de LDL-colesterol, enquanto que os ácidos graxos trans não só aumentam o nível desse composto como também diminuem o nível de HDL-colesterol.
A elevação dos níveis de LDL-colesterol contribui para o aumento do risco de doenças cardiovasculares. Logo, tanto os ácidos trans quanto os ácidos saturados potencializam esse efeito (Aued-Pimentel e cols., 2003). Entretanto, a ingestão de altos níveis de ácidos graxos trans pode promover um aumento mais significativo na razão LDL-colesterol/HDL-colesterol do que a ingestão de ácidos graxos saturados e, consequentemente, um efeito adverso à saúde mais acentuado (Willett e Ascherio, 1995; Mozaffarian e cols., 2006).
Costa e cols. (2006) relatam que o consumo de ácidos graxos trans é maior nos Estados Unidos, no Canadá e em países do norte da Europa do que no Japão e em países do Mediterrâneo. De forma semelhante, a incidência de doenças cardiovasculares são maiores naqueles países que apresentam um maior consumo desse tipo de lipídio.
Na busca por uma explicação para esses efeitos, Scherr e Ribeiro (2007) e Chiara e cols. (2002) relataram que a ingestão de ácidos graxos trans aumenta a atividade da enzima responsável pela transferência de ésteres de colesterol da HDL-colesterol para a LDL-colesterol, justificando assim a mudança de perfil lipídico. Chiara e cols. (2002) também destacaram a supressão da atividade do LDL-receptor, que capta o LDL-colesterol, removendo-o da circulação. Variações mínimas de LDL-receptor no fígado afetam os níveis plasmáticos de LDL-colesterol. Assim, quando os níveis do LDL-receptor estão baixos, por ação de nutrientes ou efeito genético, ocorrerá maior acúmulo de LDL-colesterol no plasma.
Além da alteração dos níveis de colesterol, outros efeitos ao organismo vêm sendo associados à ingestão de ácidos graxos trans. Um desses efeitos consiste na inibição da ação de enzimas de dessaturação, que catalisam a reação de desidrogenação de ácidos graxos na biossíntese de ácidos graxos fundamentais aos processos metabólicos (Costa e cols., 2006). Essa inibição pode ter efeitos na saúde maternoinfantil, afetando o processo de crescimento e desenvolvimento da criança, pois os ácidos graxos podem ser transferidos tanto pela placenta quanto pelo leite materno (Chiara e cols., 2002).

Referências
  1. ANVISA. Resolução de Diretoria Colegiada nº 360: Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Brasília, 23 de dezembro de 2003.

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